Eu até fui capaz de falar com franqueza: “– Nem a mãe nem o pai me falam destes assuntos”. A avó via-se que estava a ficar deliciada por ensinar estas diferenças a um neto já com a minha idade: “– Tens 19 anos. Nessa época, a idade para os rapazes quase irem à inspecção. Se estivesses na Universidade, aos 20 tinhas adiamento. Se não, tropa. E a seguir ias para a guerra como a maior parte”. A avó estacou. As lágrimas escorriam-lhe miudinhas pela face. O que vale é que já fazia algum escuro e não se via que lhe estavam a estragar a pintura. Porque a avó, vestida de luto perpétuo, toda se pintava e se arranjava na hora de regressar às origens. Estou a imaginar que o fazia por um motivo secreto, uma vingançazinha inocente. Porque eu não poderia supor que a minha avó alguma vez ia fazer ou sequer desejar mal a alguém. Ali, pintar-se e arranjar-se não podia deixar de me soar a uma vingançazita por regressar… Com sucesso na vida bem maior do que o das pessoas que tão mal a trataram.
In Angola do Meu Sangue (adapt.)