Vivi na freguesia de Joane, hoje vila, do concelho de Famalicão, até aos dez anos de idade, onde fui feliz, no seio da família amado, na escola, com os colegas, brincando, com os professores, aprendendo coisas que me agradavam. Recordo, com saudades, esse tempo. Terminada a 4a classe, agora o 4oano, fui para o seminário, onde permaneci, durante onze anos, em regime de internato. Foi um período difícil da minha vida, a maior parte passado em contranatura.
Não querendo acusar ninguém em particular, julgo não ser injusto responsabilizar a sociedade e eu pró- prio, do meu afastamento, tão precoce, da família, casa e terra onde nasci, por um período tão pro- longado. Porém, rejubilo pela coragem que tive de arredar pé dum projeto não desejado e iniciar outro, totalmente, do meu agrado.
Matriculei-me na Faculdade de Filosofia de Braga, no curso de filosofia, dei explicações e apoiava alunos numa sala de estudo. Licenciado, concorri a algumas escolas e fui colocado como professor provisório. Assim comecei uma carreira profissional, instável durante, aproximadamente, dez anos. Só, quando completei a licenciatura na Faculdade de Letras da Universidade Porto, adquiri habilitação própria para concorrer ao ensino público. Assim, fiz o estágio pedagógico e, de seguida, efetivei. Desde aí, tive uma vida estável até á minha aposentação, com trinta e oitos anos de serviço.
Feliz, continuei a viver na companhia da minha mulher, também professora aposentada, os filhos e os netos. Dediquei-me a várias atividades, impossíveis enquanto professor no ativo. Comecei a escrever. Tenho dois livros publicados, outro prestes a sê-lo, e mais alguns pequenos textos, diversificados. Con- tinuávamos a ter uma boa qualidade de vida, que se manteve por bastantes anos, até que, inesperadamen- te, a minha mulher adoeceu. Perdeu a memória, com sequelas nas suas relações familiares, sociais, sentido de humor, perda de alegria... Por contágio, fomos todos afetados. A qualidade de vida agravou-se, os sinais de envelhecimento aumentaram, nela e em mim, que partilhávamos dos mesmos sentimentos.
De momento, restam-nos algumas esperanças na ciência ou, em Deus, fazendo um milagre.