Santos Lira ou Morrer por Mim em África

Fernando Marques

Fernando Marques

Vinha de uma terra esquecida, onde os bois passavam a puxar a cangalha sem mãos de homens nas rédeas, porque conhecedores dos caminhos.

A gente da terra era toda conhecida. As famílias, velhas como o tempo, viam os rapazes novos demandar para o Porto ou para Lisboa em busca de melhores condições de vida. Muitos iam de “coelho” para França pela calada da noite. Valia a pena correr riscos. Dava para sair da pasmaceira da terra, para fugir à tropa, e evitava terem de meter o corpo na guerra do ultramar. Os moços tinham como esperança, a hipótese de por lá aprender uma profissão melhor que ficar por ali na lavoura ou a guardar gado.

Manuel dos Santos Lira nasceu em Tourém, uma aldeia que mal estava pintada no mapa do altíssimo Minho. Tourém situa-se na raia, entre a serra do Larouco e a do Gerês, serras de demarcam a extrema entre as terras de Portugal e as de Espanha.

Tinha nascido em casa, porque, ali e naquele tempo, era costume nascer-se em casa. A maior parte das vezes, a aparar, eram mulheres da família ou vizinhas feitas parteiras, mais pelo hábito que por diploma. Ante dele, já a mãe e o pai, num fornicar de satisfazer o preceito cristão que dizia, “crescei e multiplicai-vos”, que pelo prazer da carne, tinham feito vir ao mundo cinco raparigas e dois rapazes. Ao todo, pelas contas do pai – um homem de não saber uma letra do tamanho de uma casa, mas de saber fazer uma casa sem saber o tamanho de uma letra – seriam dez bocas para comer, mas, também, vinte mãos para trabalhar. Tourém era tão rústica como a própria penedia que ali fora posta no inicio do mundo pela mão do Deus criador a quem aquela gente ia agradecer as benesses recebidas, todos os domingos.

Conheci o Manuel Santos Lira no dia 20 de Janeiro de 1966, e depressa tornamo-nos amigos íntimos e inseparáveis, até ao dia em que a morte surgiu do nada, e acabou a nossa amizade.

O Santos Lira morreu por mim, em África.

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