Na suave noite de fim de Primavera, com a cidade dormindo seus cansaços, há quem se entregue - e não será só de amor essa dádiva, ou pelo menos do amor que os poetas comuns soem cantar, nos seus líricos desabafos de emoções doloridas.
Na suave noite de fim de Primavera, há quem entregue toda a sua vida, tendo apenas por única recompensa o seu sonho de utopia, alimentado nas esperanças compartilhadas por muitos seres irmanados nos mesmos ideais de futuros risonhos e mais felizes.
Na suave noite de fim de Primavera, quando a cidade tenta mitigar as suas dores quotidianas de trabalho e opressão, incógnita, furtiva, uma sombra esconde-se das ténues lâmpadas das vielas emudecidas, avançando como se fosse um pouco do nada obscuro que preenche a própria noite. Avança sempre, procurando caminhos, procurando faróis guias em cada porta ou em cada janela. Avança como se cumprisse a missão única de uma vida inteira. Avança com a exaltação de quem percorre caminhos virgens, de quem enceta uma nova rota, deixando para trás uma outra vida, como se ali estivesse a nascer um novo ser.