O Espelho dos Inúbeis

António Henrique Conde

António Henrique Conde

Há um subtil leitmotiv que percorre estas catorze narrativas curtas (mais próximas da short story) ou mais alongadas (esboços de short novel) e as procura encadernar na leitura: discursos na primeira pessoa sobre a contemporaneidade portuguesa e os seus antecedesntes,prestados por um conjunto de inúbeis, personagens que, nos seus percursos e biografias afloradas, não possuem ou podem assumir vínculo determinante a não ser consigo próprias - entes portugueses reconhecíveis e até familiares que, por diversas razões decorrentes da História interna recente, se encontram desinseridos e quase desenraizados práticos das novas ralidades pós-imperiais e tendencialmente européistas.

Os discursos suscitados têm por pano de fundo, longínquo e quase diluído, o momento de rututra história e cultural de 1974 e, neles, as personagens tendem a questionar-se, sem o formularem explicitamente, como perante um espelho e nas respetivas solidões e reclusões maduras, que razões puderam ter assistido a que os seus percursos se desenhassem por estes modos errantes, sinuosos, individualizados, à margem de instituições e família, à margem de conúbios, amores para a vida, outros compromissos e metas existenciais - e, por outro lado, como nesse desgarrar individuado de ancestralidades, não herança e corte pessoal com normas e tradições gregárias, se intenta furar caminhos próprios, na incógnita de onde levam certas ousadia, desobediência e destemor menores. Pouco futuro reside em cada uma das catorze narrativas - apenas um resto de tempo sem outros sentidos dentro das escolhas ou imposições de percursos, portanto, eivados de trágico menor, pessoal e aderente.

O tentado humor ligueiro de língia portuguesa na construção dos discursos diretos destas personagens de ficção aferida às realidades portuguesas contemporâneas esconde o trágico menor que a todas percorre: a solidão e desacetto de cada uma delas e do que proferem, o enumciar no vazio e sem interlocutores materiais, os solilóquios mentais ou as epístolas só caligrafadas e de receção duvidosa, os diálogos encetados e logo improcedentes, não se alcançar ouvido interlocutor - todas estas discursividades não ecoam senão na página ficcional, nos níveis do real existe uma surdez, uma saturação e uma indisponibilidade para este discorrer geracional de tragicomédia reles.

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